Trabalhei que
nem uma beata
Pertenci ao
sindicato
Pois sempre fui
democrata
E subi a
encarregada
Mesmo contra o
patronato
Pois se eu era
inteligente
Brigava por
tudo e por nada
P’ra defender
toda a gente
Defendia os camaradas
Era operária fabril
Com tantas vozes caladas
Eu tinha que refilar
Bem muito antes de Abril
No tempo do Salazar
E bulia horas
fora
Nem me podia
negar
E quando me
vinha embora
Vinha nas horas
da brasa
Pois se ainda
ia bordar
E também fazia
renda
P’ra além da
lida da casa
E tudo por
encomenda
E se era bem
governada
A tanguear a
comida
Ora uma
coentrada
De quando em
vez um ouriço
E sopa de carne
fingida
Com um bocado
de chouriço
De resto uma
entremeada
Ou um naco de
toucinho
Ou uma língua
estufada
Uma simples
linguiça
Com um jarrinho
de vinho
Pois até dava
cobiça
O peixe era com
fartura
Meu marido
pescador
Que faina tão
árdua e dura
Que tinha o meu
falecido
E se parecia um
doutor
Quando estava
bem vestido
Ia então uma
caldeirada
E no que lá
está não se mexe
Até ficar
apurada
Ou uma cavala
cozida
Ou carapaus de
escabeche
Ia um bacalhau
com grão
E assim era a
nossa vida
E sempre com
contensão
E logo p’la alvorada
De oliveira em oliveira
Ia eu bem disfarçada
Que a vida era uma fona
Uma tamanha canseira
Se a Cornélia dava o leite
Trocava-se a azeitona
Por umas garrafas de azeite
E ferrava um
dinheirinho
Estava sempre
precavida
E até comprava
ourinho
Ia pagando os
cartões
Agora estou
convencida
Não me posso
endireitar
E só com o euro
milhões
Isto ia tudo ao
lugar
E o oiro foi
penhorado
Dele já me
tenho valido
Vejo o caso mal
parado
Só me resta a
aliança
Ai o que eu
tenho sofrido
Com a maldita
da poupança
Valem-se os
filhos dos pais
Pois se anda
tudo aos caídos
E ninguém
aguenta mais
Mas se andam
bem disfarçados
A toque de
comprimidos
Com os nervos
acorrentados
E o sonho
comanda a vida
Pois já dizia o
poeta
Mas se me sinto
perdida
Se acaso ando
sempre tesa
Mesmo fazendo
dieta
Não passo desta
pobreza
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