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sábado, 21 de fevereiro de 2015

Trabalhei Que Nem Uma Beata



Trabalhei que nem uma beata
Pertenci ao sindicato
Pois sempre fui democrata
E subi a encarregada
Mesmo contra o patronato
Pois se eu era inteligente
Brigava por tudo e por nada
P’ra defender toda a gente

Defendia os camaradas
Era operária fabril
Com tantas vozes caladas
Eu tinha que refilar
Bem muito antes de Abril
No tempo do Salazar

E bulia horas fora
Nem me podia negar
E quando me vinha embora
Vinha nas horas da brasa
Pois se ainda ia bordar
E também fazia renda
P’ra além da lida da casa
E tudo por encomenda

E se era bem governada
A tanguear a comida
Ora uma coentrada
De quando em vez um ouriço
E sopa de carne fingida
Com um bocado de chouriço

De resto uma entremeada
Ou um naco de toucinho
Ou uma língua estufada
Uma simples linguiça
Com um jarrinho de vinho
Pois até dava cobiça

O peixe era com fartura
Meu marido pescador
Que faina tão árdua e dura
Que tinha o meu falecido
E se parecia um doutor
Quando estava bem vestido

Ia então uma caldeirada
E no que lá está não se mexe
Até ficar apurada
Ou uma cavala cozida
Ou carapaus de escabeche
Ia um bacalhau com grão
E assim era a nossa vida
E sempre com contensão

E logo p’la alvorada
De oliveira em oliveira
Ia eu bem disfarçada
Que a vida era uma fona
Uma tamanha canseira
Se a Cornélia dava o leite
Trocava-se a azeitona
Por umas garrafas de azeite

E ferrava um dinheirinho
Estava sempre precavida
E até comprava ourinho
Ia pagando os cartões
Agora estou convencida
Não me posso endireitar
E só com o euro milhões
Isto ia tudo ao lugar

E o oiro foi penhorado
Dele já me tenho valido
Vejo o caso mal parado
Só me resta a aliança
Ai o que eu tenho sofrido
Com a maldita da poupança

Valem-se os filhos dos pais
Pois se anda tudo aos caídos
E ninguém aguenta mais
Mas se andam bem disfarçados
A toque de comprimidos
Com os nervos acorrentados

E o sonho comanda a vida
Pois já dizia o poeta
Mas se me sinto perdida
Se acaso ando sempre tesa
Mesmo fazendo dieta
Não passo desta pobreza

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