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sábado, 27 de julho de 2013

És O Amor Da Minha Vida | Maria Albertina Natividade da Purificação

 
 
 

 
 
 
 
 
Meu rico adorado filho
Amor da minha loucura
Contigo tudo partilho
Os meus temores, os meus medos
Com tanta desenvoltura
Que entre nós não há segredos

 

Vai-se a ver que eras petiz
E por sinal tão bonito
Fazias-me tão feliz
E olho esta fotografia
As saudades que me dão
Ai que tamanha alegria
Que ia no meu coração

 

Sempre foste um bom menino
E por sinal sossegado
E quando eras pequenino
Ai eras tão engraçado

 

E como eu me comovia
Pois se eras tão sorridente
E sempre que alguém sorria
Também achavas piada
Sorrias p’ra toda a gente
E deixavas-me encantada

 

Cantava-te uma cantiga
A d’O Melro por sinal
E tiravas-me a fadiga
Minha rica mocidade
Parece-me um roseiral
Tal não era a felicidade

 

Mais parecias um boneco
E até tinhas um gatinho
Atigrado era o Tareco
E até dormia contigo
Vai-se a ver muito meiguinho
Estava sempre à tua beira
Pois se era tão teu amigo
E amigo da brincadeira

 

Mas não te fazia mal
Quando te ouvia a chorar
O pobre do animal
Mais não podia fazer
Também se punha a miar
Que era para te entreter

 

Ai filho que eras tão querido
Como o teu pai te adorava
Pobre defunto marido
Que sempre foi sonhador
Ai como ele te afagava
Com os olhos rasos de amor

 

E logo de pequenito
Ao colo depois à mão
E ainda em rapazito
Sempre ao lado do andor
Ai ias na procissão
Vestido de pescador

 

Teu pai ficava encantado
E tão meigo me abraçava
Sentia-se abençoado
E ficava tão baboso
Que às vezes até cansava
Pois se eu sempre fui mais esquiva
Mas se ele era carinhoso
E de uma forma aflitiva

 

E a olhar o teu retrato
Tenho saudades de ti
E de quando eras gaiato
De seres bebé afinal
E um tão lindo eu nunca vi
Posso parecer convencida
Sempre foste especial
És o amor da minha vida

 

 

 

ILUSTRAÇÂO/ ARTE DE MIGUEL MATOS


Miss Margem Sul (sénior) 2013 | Fotos de Maria Albertina Natividade da Purificação










quarta-feira, 24 de julho de 2013

Por Sinal És Boa Gente | Maria Albertina Natividade da Purificação

 





Querida prima Umbelina
Estás vistosa e bem-parecida
Tens um rosto de menina
Com a pele toda esticada
Pois eu cá estou convencida
Nunca a tiveste enrugada

 

E mesmo com tanto enredo
Ai pelo que tens passado
Com o desgosto do Alfredo
Pois se era com cada dose
Que andava sempre entornado
E foi-se duma cirrose

 

E nunca mais te casaste
E tal como eu também não
Se acaso te conservaste
É da tua natureza
É do teu bom coração
Que te enobrece a beleza

 

Por sinal és boa gente
Mas um bocado vaidosa
Às vezes pões-me doente
Não há bela sem senão
Ai tão casmurra e teimosa
Que até me dás aflição

 

Quero-te arranjar marido
E tu não me dás valor
Lembras-te do falecido
E tens mais que um pretendente
Extremosa no teu amor
Sempre cheia de saudade
O teu peito não consente
Que encares a realidade

 

E ficavas bem na vida
Pois se há um que é abastado
E se andas desprevenida
Tal como eu que não tens guita
Se afinal pedes fiado
Que a reforma é pobre e fraca
Mas fazes por rebendita
Só que sais prejudicada
Ó minha grande velhaca
Que és tão mal-intencionada

 

Mas se o és, és só p’ra ti
De resto não te confessas
Pois sempre te conheci
Muito pouco opiniosa
E nem és de conflitos
Pagas as tuas promessas
Por seres tão religiosa
Ao Senhor dos Aflitos

 

E vai-se a ver que és calada
Não sei se é por timidez
Não te acho envergonhada
Pois se tens descaramento
Ali rente ao fim do mês
E pedes-me adiantado
P’lo meu endividamento
P’lo que me tens emprestado

 

E andas sempre vaporosa
Com as tuas chinesices
Nem sequer és rancorosa
Com tanto que têm feito
Pois se não queres é chatices
Tens esse grande defeito

 

E dás sempre a outra face
E eu que já não sou assim
Pois até podes ter classe
E se estamos conversadas
Quando me batem a mim
Ai desato às bofetadas

 

Pois não me fico p’ra trás
Mais não tinha que fazer
Que de tudo sou capaz
Basta guardar na lembrança
E ando sempre a antever
A hora da tal vingança

 

De resto tenho bom fundo
Sempre pronta a acudir
Aos males que andam p’lo mundo
E dá-me dó da pobreza
Ponho toda a gente a rir
P’ra afugentar a tristeza

 

Não falto a um funeral
Às vezes nem os conheço
P’ra que não pareça mal
Justo aos familiares
Finjo que me compadeço
Farto-me até de chorar
E percebo p’los olhares
Quando estou a exagerar

 

Normalmente és tu ó prima
Que vens com tais falatórios
Vai-se a ver que ainda por cima
Teimas que é p’la nossa idade
Lá vamos nós aos velórios
Recordar a mocidade

 

Ai por sinal como eu queria
Que fosses mais rabitesa
Dá-me cá uma agonia
Pois se acaso sou humana
E corro em tua defesa
Por seres assim tão banana

 

 

 

ILUSTRAÇÃO/ARTE DE MIGUEL MATOS

São Vicente | Maria Albertina Natividade da Purificação

 
 
 
 
 
 

O Tejo vem-te beijar
Lisboa nobre cidade
Com a Lua a bracejar
A navegar de saudade

 

Bairro Alto Mouraria
Alfama e Madragoa
Quantos bairros tem Lisboa
Carregados de alegria
Pois vivem em fantasia
E o fado sabem cantar
Com a guitarra a trinar
Pelos cantos das vielas
E abres as tuas janelas                                                        
O Tejo vem-te beijar

 

Ai Lisboa abrasonada
Bandeira de São Vicente
Porque não lhe é indiferente
Ai, não se dar naufragada
Pois se está abençoada   
Que o preto é honestidade
O ouro fidelidade
É constância é nobreza
Tem a prata por riqueza
Lisboa nobre cidade

                     

Ai tão bem engalanada
Repleta de monumentos
Que consagram sentimentos
Lisboa afadistada
Boémia e deslumbrada
Sempre que a vão namorar
Lisboa sabe beijar
Mesmo coberta de mágoas
Espraia-se por entre as águas
Com a Lua a bracejar

 

E afinal seu padroeiro
Por sinal é São Vicente
O deste povo tão crente
Conquistador marinheiro
Com o amor de um craveiro
Que o povo tem por vontade
Acolher a humanidade
Vão dois corvos guardiões
P’rá acalentar ambições
A navegar de saudade

 

 

 
ILUSTRAÇÃO/ARTE DE MIGUEL MATOS



Ai Moscatel de Azeitão | Maria Albertina Natividade da Purificação




Chá café ou moscatel
Prefiro aquele de Azeitão
Mas que valente pomada
Que o café faz mal ao fel
Pois em minha opinião
Antes bebo o de cevada

 

E o chá pode ser excitante
Diurético afinal
Mesmo que seja calmante
Com a bexiga descaída
Vai-se a ver que por sinal
Passo pois por um grande frete
E ando sempre de fugida
Numa grande agitação
A correr para a retrete
Com a cueca pela mão

 

Depois também é aguado
Cheira a ervas, cheira a flor
Se não for açucarado
Ai deixa-me agoniada
Sem disfarçar o odor
E nem sequer me alimenta
E ao ficar desconsolada
Deixa-me então rabugenta

 

E vai mais um p’rá goela
Que é docinho e encorpado
Esta bebida amarela
Ai Moscatel de Azeitão
Não lhe sinto malefício
E se ele é do meu agrado
Vai mais um p’ra festejar
Pois que ao ser alimentício
Também me faz engordar

 

E cá vai mais um pinguinho
Apaga-me o desespero
Ponho-me no meu cantinho
E até canto à desgarrada
Sem que seja em exagero
Depende pois da medida
Ai sinto-me atordoada
Mas fico alegre com a vida

 

Só mais um p’ra arrematar
E se tenho um bom beber
Dá-me p’ra poetizar
Mas que grande inspiração
E vai mais um p’ra aquecer
As paredes do coração

 

E não me dou enjoada
Neste meu modo de ser
E desato à gargalhada
Mesmo que esteja sozinha
Pois antes de adormecer
Porque é doce e sabe bem
Bebo mais uma pinguinha
Não faço mal a ninguém

 

 

 

ILUSTRAÇÃO/ARTE DE MIGUEL MATOS


terça-feira, 23 de julho de 2013

Alma De Artista | Maria Albertina Natividade da Purificação






Sempre tive habilidade
E se acaso era prendada
Já na minha mocidade
Ficava pois tão catita
Airosa toda enfeitada
Com os meus vestidos de chita

 

Fiz uma colcha aos quadrados
Pois tinha jeito p’rá renda
Paciente nos bordados
Tudo como deve ser
Nada há que eu não aprenda
Dei conta dos meus miolos
Mas se aprendi a fazer
Tapetes de Arraiolos

 

Pois se sou habilidosa
Até fiz um candeeiro
E senti-me tão vaidosa
Ai que até me inchou o peito
Mas p’ra inventar dinheiro
Isso é que eu não tenho jeito

 

Com o fósforo já queimado
Montei uma caravela
E gostei do resultado
Comprei depois cavaletes
Dediquei-me às aguarelas
E fiz então brilharetes

 

E entreguei-me à concertina
Mas se a achava esganiçada
Nem com tudo a gente atina
E ao depois só por ouvido
E se me dava prazer
Tocava uma guitarrada
P’ra entreter o meu marido
Punha a guitarra a gemer

 

E entretanto o falecido
Foi aprender a tocar
Mas só fazia alarido
Ai como ele desafinava
Julgá-lo não me compete
Mas se até arrepiava
Quando se punha a soprar
No bocal do seu trompete

 

E jamais se entendeu
Pena quando a estima baixa
Era mais parvo que eu
Mas que cargas de trabalhos
Pôs-se então a tocar caixa
Deixou-me feita em frangalhos

 

Foi então que às escondidas
Mas só das portas p’ra dentro
Comecei a aprender
E dava as minhas fugidas
Pois se acaso me concentro
Fico logo a perceber

 

E aprendi a solfejar
No esplendor do meu talento
Com o valor das figuras
Nem conseguia parar
Em tão ágil andamento
Numa nobre exibição
E até me davam tonturas
Sem perder a pulsação

 

Depois fui p’ró clarinete
Ai como era virtuosa
Fazia cá um sainete
Não era só aparato
Punha-me até lacrimosa
E ao dar à música vida
Num piedoso vibrato
Ficava tão comovida

 

Aprendi mais instrumentos
Pois se acaso era dotada
Passei por grandes momentos
Que eu cá sempre fui briosa
E andava bem ensaiada
Lia a música na pauta
Mas se eu era maviosa
Sempre que tocava flauta

 

E o que mais me concretiza
Traz-me sempre algo de novo
É ser também poetiza
No cantar do sentimento
Uma poetiza do povo
Que diz palavras ao vento

 

Tenho poemas diversos
E alguns estão inacabados
Faço quadras faço versos
Se tenho as rimas por filhas
Com os meus dotes inspirados
Faço pois também sextilhas

 

Cavo então como quem lavra
Basta-me encontrar um tema
E escolho cada palavra
Se acaso lhe acho piada
Escrevo então o meu poema
E que seja pitoresco
Pois desato à gargalhada
Quando o poema é burlesco

 

Pode até não agradar
Mas se não somos perfeitos
Não me custa confessar
Eu sempre fui o que pude
Posso ter muitos defeitos
Contudo sou realista
E a minha maior virtude
É ter pois alma de artista

 

 

ILUSTRAÇÃO/ARTE DE MIGUEL MATOS


Longe Da Porta | Maria Albertina Natividade da Purificação





 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 





 
A morte será enfim
O meu destino mais certo
Que o meu peito não a tema
Sou Aldeana de gema
Tal como o meu Joaquim
Montijense o meu Alberto

 

E falo à minha maneira
E até posso ser magana
Ser magana sim senhor
Minha mãe era peixeira
Se falo à Aldeana
Sou filha de um pescador

 

Minha rica mocidade
Já estou velha estou no fim
Mas tenho tanta saudade
De rirmos à gargalhada
Mais o meu querido Joaquim
Em noites de galhofada

 

Saudosa do que me lembro
Linda galega simpática
Ó Montijo eras altivo
Com a 1º de Dezembro
Mais a Banda Democrática
E o antigo Desportivo

 

Mas se formos ao presente
Pois que o Olímpico marque
Que eu fico muito contente
E também muito babosa
Em termos o nosso parque
Do qual me sinto orgulhosa

 

São Pedro dos pescadores
Com tão alegres festins
Bailes fados e touradas
Tal como os nossos jardins
Carregados de mil flores
Todas elas salpicadas

 

Em noites de sardinhada
Mas que fartura de pão
A acompanhar a sardinha
Depois vinha uma pinguinha
Ao toque da guitarrada
E eu ficava tão aérea
E se era tradição
Cantar-se a Júlia Galdéria

 

Irei dentro de um caixão
Quero morrer na minha terra
Na minha e dos Aguardentes
Faço ideia a escuridão
Quem morre logo se enterra
Com as placas e os dentes

 

Nos bancos do meu velório
Que me valem elogios?
Faço ideia os desvarios!
Pois se é só um falatório…
Não sonho em ter muita gente
Bastava-me alguém dizer
E eu ficava tão contente
O que me punha p’ra cima:
_ Afinal estás-te a mexer!
Nem que fosse a minha prima

 

Mas se tenho que morrer
Venha então mais um jarrinho
P’ra que me possa esquecer
Estou a ficar sequiosa
Eu gosto do meu tintinho
Misturado com a gasosa

 

E assim mesmo ganho alento
E vai um naco de pão
Com feijão e hortaliça
Que eu sou de muito alimento
E prefiro um salpicão
À delgada linguiça

 

Mas venha mais um copinho
Que é p’ra molhar a goela
Se vier mais um jarrinho
Vou-me pôr a festejar
Que entra sol pela janela
Pois se a vida me cativa
E se acabei de acordar
É porque afinal estou viva

 

Se a morte bater-me à porta
Eu nem a vou receber
Finjo até que já estou morta
Que me fui a enterrar
Pode nem se aperceber
Que a estou a querer enganar

 

 

 
ILUSTRAÇÃO/ARTE DE MIGUEL MATOS

 


segunda-feira, 22 de julho de 2013

A Um Passo Do Trono | Maria Albertina Natividade da Purificação







































Que sonho maravilhoso
Pois parecia uma princesa
Num palácio harmonioso
E até tinha dentadura
Nada faltava na mesa
Ai que tamanha fartura

 

Toda a gente era bonita
Com uma cara abastada
Que a fortuna é bendita
Não tem olhos de magreza
Nem a boca desgrenhada
Que isso é próprio da pobreza

 

E até mesmo a criadagem
Tão bem vestida que estava
Que parecia uma miragem
De um lindo conto de fadas
E toda a gente arrotava
Com as barrigas enfardadas

 

Tinha um príncipe afinal
Que não era o meu marido
E parecia um general
Todo muito vaporoso
Pois não era o falecido
Era muito mais jeitoso

 

Até parecia um boneco
A esgaçar sempre um sorriso
Com olhos de malandreco
E se eu estava enfeitiçada
Tinha perdido o juízo
Não me ralava com nada

 

Ricas pedras valiosas
No arroubo do esplendor
Irradiavam lustrosas
E era escaldante e não morno
O corpo do meu amor
E elas tinham dor de corno

 

Era nova como invejo
Os tempos que já lá vão
Agarro-me a esse ensejo
E dá-me tanta saudade
Que sendo rica então
Maior era a felicidade

 

Toda a gente foi bailar
E eu cá tinha emagrecido
E sabia-me ajeitar
Como eu estava enternecida
Com o meu suposto marido
Marido p’ra toda a vida

 

Senti por ele um desejo
Nos afagos consentidos
E ele arrebatou-me um beijo
Que me deixou transtornada
Perdi então os sentidos
Que dei por mim desmaiada

 

Vai-se a ver quando acordei
Tinha mesmo desmaiado
Ai tão triste que fiquei
Queria ir dali p’ra fora
Estava o meu filho adorado
E a cabra da minha nora

 

Vim a mim no hospital
Quem sabe se estive em Marte
Diziam que eu estava mal
Já me queriam sepultar
Que eu tinha tido um enfarte
Pois se eu não queria acordar

 

Ninguém me vem socorrer
Quando eu estava bem na vida
Acharam que ia morrer
E eu que não me conformava
Estava tão arrependida
Que por mim não acordava

 

E já sentia saudades
Do meu príncipe encantado
E dos montes das herdades
Do palácio do jardim
Já me tinha questionado
Se ele se lembrava de mim

 

‘inda me atirei p’ró chão
Para ver se desmaiava
Mas não tive solução
Nem outra oportunidade
Toda a gente me agarrava
Com muita brutalidade

 

Lá voltei a pobrezinha
Tive ganas de aflição
Se eu podia ser rainha
Pois cada pão a seu dono
Tinha a minha coroação
E a seguir subia ao trono

 
 
 
 

(Ilustração/Arte de Miguel Matos)