Versos lindos vou fazer
Quem me havia de dizer
Nessa hora em que te vi
Que ias ser meu companheiro
Meu amigo, meu irmão
Nós casámos em janeiro
Com grande sofreguidão
Eras bonito e vistoso
Tão alegre e divertidoFoste um belíssimo esposo
Um bom pai, um bom marido
E tivemos uma flor
O rebento da paixãoE pegavas no andor
Com o nosso filho p’la mão
Logo cedo percebi
P’lo brilho do teu olharNesse dia em que te vi
Estavas cheio de emoção
Já me querias namorar
Mas eu disse-te que não
E se eu te disse que não
Mulher séria é assimSei pôr-me no meu lugar
Lá por tu gostares de mim
Não te ia dar permissão
P’ra me andares a apalpar
Ai tão meigo me abraçavas
Nunca deixaste de o serÀs vezes até cansavas
Davas-me ânsias de aflições
Tinhas sempre o peito em brasa
Mas se eu sempre ouvi dizer
Nem se cozem os feijões
Quando um homem está em casa
Meu doce e querido marido
Nada tenho que te apontarQue pena teres falecido
Andavas-me sempre a beijar
Pobre fui mas muito honrada
E no princípio de casadaComecei com quatro pratos
Levei mesa cama e bancos
Como não tinha sapatos
Fui-me casar de tamancos
Mal tirámos um retrato
Se o noivo tem que esperarNão parava de chover
Quando eu olho p’ró teu fato
Ai eu nem me queria crer
Ia lá adivinhar
Pois que o fato ia encolher
Pediste-me em casamento
Num verdejante jardimFoi o mais lindo momento
Mas não deu tempo p’ra nada
Pois se quando dei por mim
Fui a ver estava casada
Amor da minha loucura
Eu nunca te quis perderFartei-me de me encolher
P’ra pensares que eu era pura
Foi assim de tal maneira
Que me fartei de sangrarMais parecia uma torneira
Constantemente a pingar
Tinhas vinte primaveras
Ia-te caindo um denteEstavas cheio de quimeras
Bem sei o quanto me amaste
Ai ficaste tão contente
Que nem sequer reparaste
(ILUSTRAÇÃO/ARTE DE MIGUEL
MATOS)
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