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segunda-feira, 23 de fevereiro de 2015

Coitado Do Presidente



Ai quem espera desespera
No meio desta confusão
Ai meu Deus ai quem me dera
Isto p’ra falar verdade
Queria uma revolução
Vamos lá ó pessoal
P’ra acabar com a austeridade
Que reina em Portugal

Eu nem sequer estou senil
E por sinal sou sincera
Pois que venha outro Abril
Que é p’rá gente festejar
Faça-se outra Primavera
Que o povo anda tresloucado
Nem consegue respirar
Está tudo pior que antes
Pois se anda a ser roubado
E logo p’los governantes

Se bem que são idiotas
E eu vou juntar os talões
Mas que grandes anedotas
Pois p’rá multa não me arrisco
E em vez do euro milhões
Vou jogar no euro fisco

Repensei depois melhor
Não me quis candidatar
Pois se soube à posterior
Que era uma mera ilusão
Se acaso iam sortear
Carros em segunda mão

Que ao jogo sou azarada
Pois se a sorte não me busca
Preferi estar sossegada
Que afinal é bom de ver
Saía-me uma farrusca
Só se fosse p’ra abater

E vai-se a ver da verdade
Eles andam-se a promover
Se foi p’ra mim novidade
Claro que muito me aclama
Doa lá a quem doer
Entrego as mãos ao destino
E quero um topo de gama
Ou então um submarino

Dizem pois que ainda melhora
A situação do país
Ai quero-me ir daqui p’ra fora
Pois se a mim não me parece
Por muito que seja altiva
Pois não tenho nervos de aço
Eles querem subir o IVA
E depois o que é que eu faço

Que eles não têm piedade
Está tudo bem aviado
Com tanta severidade
Pois que a despesa aumenta
E até o bem empregado
Mesmo assim não se aguenta

Mas o que mais me baralha
O povo estar conformado
Qualquer dia o Zé trabalha
E é ele que passa a pagar
O seu próprio ordenado
Que é p’ra manter o lugar

Será que isto é liberdade?
Mas que espécie de clausura
E se o povo dá ao coiro
Trabalha de chão a chão
E os donos da ditadura
São pagos a peso d’oiro
E há tanta gente sem pão
Vai-se a ver que os reformados
Não se dão endireitados
Vivem de meia pensão

E as notícias são tão más
Sucedem-se as heresias
Que o tempo voltou p’ra trás
E matam-se os ideais
E perdem-se as regalias
Regalias sociais

Vejo a vida andar p’ra trás
Faz-me lembrar outra era
Em que nem havia paz
Muito menos igualdade
E agora tens por quimera
A sombra da liberdade

E havia pides a mais
P’ra te poderem espiar
Hoje são internacionais
Pois haja então quem te eduque
Que eles andam-te a controlar
À pala do facebook

E ouve-se um fado menor
Que este destino é velhaco
Vamos de mal a pior
E só temos arrelias
Vai-se a ver que o Cavaco
Também se andava a queixar
Vive das economias
P’ra se poder governar

E por este caminhar
Ainda perde as esperanças
E ao depois fica repeso
Quando acabar por gastar
As suas pobres poupanças
Das aplicações bancárias
E se acaso ficar teso
Não tem como fazer frente
Às despesas extraordinárias
Coitado do presidente

Vai-se a ver que não me calo
Falarei pelo meu povo
Têm medo do que eu falo
Mas se poetizo a verdade
Pois queremos um mundo novo
Com a palavra liberdade




Quero Ver Se Enriqueço



Ai se dias não são dias
Tem dias pois que entretanto
Vestem-me de fantasias
E eu fico bem adornada
Se nuns choro noutros canto
Noutros rio à gargalhada

E até faço uma festança
Posso-me dar por contente
Quando ponho na lembrança
Minhas demais ambições
Vou-me rir de muita gente
Se acaso um dia jogar
Nesse tal euro milhões
E seja eu a ganhar

Que ando tão arreliada
Quero ver se enriqueço
P’ra dormir mais descansada
Que ser pobre é uma canseira
Pois sei bem o que mereço
Só não sei de que maneira

Nada tenho p’ra herdar
O que me dá embaraço
Ponho-me então a pensar
Se tenho algum incremento
É de encontrar um ricaço
Que me peça em casamento

Os que eram p’la minha idade
Quase todos já lá estão
E em abono da verdade
Sendo a poetiza do povo
Resta-me a mera ilusão
Que alguém se venha a encantar
Um rapazito mais novo
E assim me leve ao altar

Perdia o norte e o sul
E seguia alguns conselhos
Que era oiro sobre azul
Ai ao ficar abastada
Pois matava dois coelhos
E duma só cajadada

Ter de seu é uma virtude
É uma coisa fantástica
Retornava à juventude
A mais não ser no parecer
Fazia uma plástica
Mas das bem elaboradas
Para rejuvenescer
E ficar com as peles esticadas

E também um enchimento
No rabo dava-me jeito
Com um bom acabamento
P’ra uma vida sedentária
E endireitava o peito
Com uma prótese mamária

Que fosse tudo a preceito
Com a mesma anestesia
Punham-me o nariz direito
Faziam-me uns brilharetes
Com uma tal septoplastia
Sem cometerem deslizes
Tiravam-me os joanetes
E secavam-me as varizes

Despunha uma tatuagem
Quem sabe se uma roseta
Ou então uma homenagem
Com a cara do falecido
Antes uma borboleta
Espampanante colorida
Pois fazia mais sentido
Numa rica extrovertida

Comprava até um postiço
Que fosse loiro afinal
Singelo sem ter toutiço
Nem tão pouco uma banana
Pintava em mim um sinal
Sete dias por semana

Estou-me a ver recauchutada
Que o meu peito até delira
Com a cremalheira arranjada
Pouco mais há que fazer
Até parece mentira
De resto nada me dói
Nem me sei reconhecer
E estou com outro trambelho
Pareço a Mariline Monroi
Pois sempre que me olho ao espelho

Que eles querem mulheres maduras
Se as novas não fazem nada
Deixemos lá as frescuras
Já que sou velha e raposa
Não tarda comprometida
Se por sinal estou guardada
Em ser mãe enquanto esposa
P’ró resto da minha vida

Vai que neste imaginário
Assim eu me casaria
Com um frango do aviário
Pois se tem acontecido
Cada vez mais hoje em dia
Não queiras tu esmorecer
Pode ser que o teu marido
‘Inda esteja p’ra nascer

Que não seja um mero engate
O que o meu sonho idealiza
Pois estou-me a ver num iate
Todo ele muito faustoso
Mantenho a pele resguardada
E a caminho de Ibiza
Com o meu digníssimo esposo
Lá vou toda ornamentada

Podes-me até chamar filha
Só que eu começo a estranhar
E ao ancorarmos na ilha
Pois se acaso desconfio
Que há qualquer coisa no ar
Ai ponho-me enciumada
Dá-me até um calafrio
Que me deixa arrepiada

Só entendo o português
Que o espanhol fala a correr
Do alemão ao inglês
Lá fazes a tradução
E vou lá eu perceber
Se é só uma mera invenção

Nisto sinto-me sozinha
Sedenta de naufragar
Calo-me bem caladinha
Suspeito de toda a gente
E começo a delirar
Com o tamanho do enredo
Não encontro um inocente
E mantenho-me em segredo

Pois aquilo que mais me custa
Ao entrar numa ilusão
É o que tanto me assusta
Se temo um fim infeliz
Não há bela sem senão
Ponho-me a endrominar
Num pensamento medonho
E corto o mal p’la raiz
Modificando o meu sonho

Cansa-me tanta noitada
Neste e naquele cabaré
Pois não estou acostumada
Já não é p’rá minha idade
Ponho-me a dormir em pé
Pois não sei o que me dá
Com a maior facilidade
Nem que seja no Pachá

Vai-se a ver que ele é meiguinho
Ai dou voltas à cabeça
Podia ser meu filhinho
Tenho pois que o proteger
Aconteça o que aconteça
Doa lá a quem doer

Vou descalçar o sapato
Só me dou com camafeus
Vai-se a ver p’lo aparato
Não entendo se é costume
Tudo ao molho e fé em Deus
De quem hei-de ter ciúme

Que as mulheres gostam de ti
E os homens gostam também
E eu que tanto me afligi
Fiquei pois sobressaltada
Não fosses ter mais alguém
E eu estar a ser enganada

Ficaste tão melindrado
Com a minha desconfiança
Por sinal arreliado
Pois levaste muito a mal
Tiraste a aliança
E eu que sou tão tua amiga
Fizeste um cagaçal
Por conta desses boatos
Armaste tamanha briga
Coisas próprias dos gaiatos

P’ra esquecer o sucedido
Concedo-te o meu perdão
Deixas de ser meu marido
Compras-me um apartamento
E dás-me uma indeminização
Por conta do casamento

E tudo isto imaginei
Com deslumbrada emoção
Tão meramente sonhei
Melhor é ficar assim
Sofro por antevisão
O que não me faz feliz
E não esqueço o meu Joaquim
Pois se tinha um amor nobre
Já que Deus assim o quis
Ficarei sozinha e pobre



domingo, 22 de fevereiro de 2015

Júlia Portuguesa



Se estou na miséria
Tal “Júlia Galdéria”
Se me sinto tesa
Vai uma pinguinha
Pois desta ginjinha
Mas da portuguesa

Se acaso me engrosso
Até onde posso
Ai fico feliz
Apertam-me o cinto
Só bebo do tinto
Mas esqueço a Lúis

Júlia portuguesa
Ai estás entroikada
Tens côdeas à mesa
Que és mal governada

Júlia portuguesa
Olha-te ao espelho
Se só tens bebido
E apenas comido
Gato por Coelho

Se por horas mortas
Disse um dia o Portas
Que era irrevogável
Mas voltou atrás
Por ser bom rapaz
E tão responsável

Veio o presidente
Que achava urgente
P’ra bem da receita
Nem houve consenso
Lamenta-se imenso
Ficou a direita



Rapsódia Popular



Adeus Aldeia
Prateada sereia
No Tejo a saudade
Meu povo rijo
Foi vila Montijo
Agora é cidade

Águas frias são impostos
Os impostos que o povo temeu
Não me deem mais desgostos
Pois vendo tudo o que seja meu
Dez facas, um tabuleiro
Canecas, fotografias
P’ra ganhar algum dinheiro
Na feira das velharias

Rogo-te santo António
Que muito já suportas
Finda com o matrimónio
Do Coelho com o Portas

Vejo o caso mal parado
O Cavaco é pobrezinho
O rico remediado
E resto-me o Zé Povinho

Vai um caldo ou uma canjinha
De quando em vez uma cavala
E estou-me a ver já muito velhinha
A trabalhar e de bengala

Fui a tempo de ser reformada
Mas se continuo a trabalhar
Que a reforma não chega p’ra nada
E se já era altura de me por a descansar

Lá vai o povo, o povo a desfilar
Em colunas em fileiras
Para se manifestar
Lá vai o povo e sempre de alma serena
Cantando fraternidade
Grândola vila morena

Lá vai o povo, o povo a desfilar
Em colunas em fileiras para se manifestar
Lá vai o povo mas não lhe serve de nada
Que o governo ainda fica pois a rir-se à gargalhada



Quem Canta Seus Males Espanta



Sou a Maria Albertina
E a minha rica Umbelina
Canta muito bem o fado
É uma prima extremosa
Não é nada invejosa
E está sempre a meu lado

Gostamos de fadistices
E não queremos ter chatices
Mesmo nada com ninguém
E se eu cá toco guitarra
E sempre com muita garra
Acompanho-a muito bem

Canta, vamos fazer uma festa
Pois não há vida, não há vida como esta
Deixa p’ra lá as crises e contensões
Apesar do país, ai andar aos trambolhões

Andamos a lavar escadas
Ai e tão contrariadas
Pois nessas nossas fascinas
Se acaso ganhamos mal
Isso é muito natural
Somos duas clandestinas

E confesso em segredo
Ambas temos muito medo
Que afinal de alguma forma
Pois se nos passa p’la tola
Que ‘inda nos tiram a esmola
Da nossa fraca reforma

Buscamos maridos ricos
No meio dos bailaricos                    
E já com os pés p’rás covas
P’ra pagarmos os calotes
Mas vai-se a ver que os velhotes
Só querem moçoilas novas

Só me passa p’la cabeça
Que seja tão evidente
Tomara que me apareça
Que valha a pena casar
Seja novo o pretendente
Que me queira desposar


Já Deixei De Ser Cantora



Que lindas vozes de oiro
Cantam com todas as regras
Tenho orgulho neste coiro
Se este poema redijo
Lembranças meu peito guarda
Viva o maestro Balegas
Viva o coiro do Montijo
E a nossa querida Eduarda

Também quis contribuir
Ai ficava baralhada
Pensei então desistir
Mas por lá me aguentei
Com voz de cana rachada
Mais parecia uma anedota
Ai quantas vezes chorei
Ao dar sempre a mesma nota

Deixava-me entusiasmar
Se ia tudo em andantino
Eu punha-me em allegeto
Depois tinha que parar
Mais parecia um violino
Mas se afinal era baixo
Cantava pois em falseto
Ao mal subirem o pano
E andava num altibaixo
Desde o tenor ao soprano

Punha o coiro destrambulhado
Pensei em desaparecer
Fazer meu próprio sequestro
Dava-me pena o maestro
Com um ar apoquentado
Mas que destino atroz
Sem saber o que fazer
Mudava-me então de voz

Pois não estava colocada
Dizia-me ele afinal
Nem era desafinada
Isto p’ra me confortar
Mas tudo corria mal
Pois se eu cá não tinha jeito
Nem que fosse a recitar
Saía tudo imperfeito

E fiz uma descoberta
Só onde tinha a certeza
Cantava de voz aberta
Sem querer pôr ninguém em cheque
E vejam-me esta tristeza
P’rá barca não ir ao fundo
Cantava pois em Play back
P’rás almas do outro mundo

Tínhamos muitos eventos
E eu ficava em apertos
Se para além dos casamentos
O que me punha doente
Primeiro eram os concertos
E com todas as maneiras
P’rá Senhora Presidente
Próprio de um grupo coral
Cantávamos pois as janeiras
Logo a seguir ao Natal

Mal sei falar Português
Até me dava chacota
Do Filipino ao Chinês
Tudo p’ra mim era Grego
Pois nunca fui poliglota
Certamente que enfim
Neste tal desassossego
Nem toda a gente suporta
E se cantava em latim
Sentia-me eu quase morta

E ai como foi importante
Tão imponente tão bravo
E eu cá estava vacilante
Como quem teme um ciclone
Primeiro : “Da coroa ao cravo”
De ovação em ovação
Depois veio: “ Cantar Simone “
Mas que tamanho sucesso
Pois se eu cá não sou intruja
De resto jamais me esqueço
Tive a maior comoção
Ao beijar a dita cuja

Finalmente vim-me embora
Meu coração ainda chora
(Que haja sempre um amanhã)
Tal como o vestido preto
Que nem foi coisa barata
E se fazia panda
A encharpe com a gravata
Quase como um amuleto
Dava-me cá um aperto
Pois quando o pano subia
E começava o concerto
E o coiro logo se ouvia

Agora vou aos espetáculos
Pois tenho as portas abertas
Não me põem obstáculos
Dou por mim tão comovida
Mas saio a horas incertas
Pois tenho que me ausentar
Com a bexiga descaída
Ando sempre a urinar

Se acaso sou nervosenta
Pois tomava um Valium
E ficava sonolenta
E também um pouco zomba
Mas p’rá maldita colite
Lá ia um imodium
E tinha que dar à bomba
P’ra me passar a bronquite

E em tudo isto pensei
Que um couro não é à balda
Só eu sei o que passei
É difícil meu regresso
Pois se tinha que usar fralda
E só agora o confesso

Ai se me recordo e lembro
As saudades dão-me dores
Pois se deixei de ser membro
Sinto-me triste e piegas
Mas vivam esses cantores
Rouxinóis dum roseiral
Viva o maestro Balegas
Mas que grande regozijo
(Só eu cá era bastarda)
E viva o grupo coral
Grupo Coral do Montijo
E a nossa querida Eduarda



Meu Marido Pescador



P’ra me poderes namorar
Vinhas sempre a horas certas
Querias-me então abraçar
Mas se era complicado
Com as portas entreabertas
Ficavas meio entalado

Por sinal eras bonito
E eu sentia-me orgulhosa
Tinhas todo o requisito
Mesmo que fosses malfeito
Do modo que eu sou teimosa
Achar-te-ia perfeito

Tinhas um jeito franzino
Com esse ar de cachopo
Como manda o figurino
Andavas sempre arranjado
Gostavas do teu piropo
E mesmo estando a chover
Ficavas todo encharcado
Pois se assim tinha que ser

Era namoro de janela
Não entravas lá em casa
Sempre com muita cautela
Ardia-te o peito em brasa
De resto havia respeito
Não sei as voltas que dei
Fiquei com a barriga ao peito
Não sei como me arranjei

E lá vinhas tu do mar
Ao frio à chuva ao relento
P’ra te poder confortar
Pois se eras tão meu amigo
Ao ver-te em tal sofrimento
Ao ver-te assim a tremer
Dava-te um licor de figo
P’ra te poderes aquecer

Tinha o jantar preparado
Nada que fosse grotesco
A sopa nem era rala
Depois vinha o ensopado
Se trazias peixe fresco
Eu ficava tão contente!
Que arrepiava a cavala
P’ró almocinho da gente

No temor de ser fatal
Se não sabem como é
Em dias de temporal
Punha-me eu então aos gritos
Carregadinha de fé
E haja quem me respeite
Posso dizer que oferendei
Muitas garrafas de azeite
Ao senhor dos aflitos
P’los milagres que passei

Também puxavas as redes
E davas-me uma beijoca
P’ra acalmares as tuas sedes
Na hora da despedida
De resto ias à minhoca
P’ra fazermos frente à vida

Com a calça arregaçada
E uma camisa aos quadrados
A cinta bem apertada
E com todos os percalços
Pegavas tu no andor
E sempre com os pés descalços
Pois se eras um pescador

Ias então cabisbaixo
Ficavas tão comovido
Nessa tua devoção
Pena que fosses p’ró baixo
Que até metia aflição
Pois pendia p’ró teu lado
E o santo ia descaído
Via o S. Pedro quebrado

E os barcos abençoados
Por entre as águas do Tejo
Ai tão bem engalanados
Mas que bonitos que estavam
E se era grande o cortejo
Só os teus olhos choravam

E querias que o nosso Alberto
Também fosse pescador
Mas eu cá não achei certo
E mesmo contrariado
Eu tive que me entrepor
Passava o dia a gritar
Meu querido filho adorado
Que sempre por ele me deleite
Se acaso fosse p’ró mar
Ai quantas garrafas de azeite

Vejam-se esta ironia
P’ra que não houvesse guerra
Deixou-o ficar em terra
Não o mandou para o mar
Vai-se a ver por teimosia
Como era p’ró sorrateiro
Pôs o filho a trabalhar
Logo dentro de um estaleiro

Ai e se a morte falasse
Se a morte não fosse traste
Ai se a morte te contasse
Pois que esteve a meia haste
Honrando a tua memória
Ai como recordo e lembro
A da classe piscatória
A da 1º de Dezembro
E a bandeira do Montijo
Ganhavas logo outra cor
Mas que eterno regozijo
Meu marido pescador



Pois Se Já Estive EntroiKada



Muito me tenho intrigado
Onde é que isto vai parar?!
P’rá gente se governar
Ai vê-se numa aflição
Que nem o Zé do telhado
Era a nossa salvação

Mais não me posso encolher
E assim mesmo ando esgalgada
Se nada tenho p’ra comer
Passo fome com fartura
Finjo que estou enfartada
Vejam bem esta loucura

Bebo borras de cevada
Com uma côdea de pão
E entretenho a gengiva
Começo a ficar cansada
Não tenho outra alternativa
Até me mete aflição
Que fico tão enfartada
E assim deixo de comer
Vejam lá bem esta vida
Pois só me faço encolher

Chega à hora do almoço
Nem tem espinha nem caroço
Como um caldo uma sopinha
Mas depois logo ao jantar
Só uma coisa levezinha
P’ra me poder ir deitar

Dou arrotos de pobreza
Mas p’ra tu não ficares mal
Vê lá a minha grandeza
Faço que tenho um boi a assar
Ai Portugal, Portugal
Que eu já me estou a passar

E entro numa apreensão
Pois se já estive entroikada
Não vejo outra solução
E tomada pela incerteza
Tento ser bem governada
Pois se não tenho outra forma
De resto ando sempre tesa
Com a minha fraca reforma

Vai nisto que ao despertar
Lavo a cara de fugida
Antes mesmo de ir p’rá mesa
E não vejo outra saída
Se me apetece urinar
Pois claro faço despesa
Isto só p’ra me limpar

Vou enxaguar a caneca
Guardo a água p’ró legume
Com que vou fazer a sopa
Se não chega a ir ao lume
Vejam bem ó coabreca
Serve p’ra lavar a roupa
Ao menos p’ra uma cueca

Tenho um balde só p’rá pia
Deste ou daquele alguidar
Que isto é que é sabedoria
Faz-me mal ao reumatismo
Tinha que me penhorar
P’ra puxar o autoclismo

Vou a ver dos comprimidos
Tomo um para o coração
E nem me posso esquecer
Fico numa agitação
Parece que vou morrer
Que até me dá dermatose
E apitam-me os ouvidos
Não param de assobiar
P´ra minha artereoscleose
Também tenho que os tomar

De resto sou nervosenta
E dá-me logo p’rá briga
Não vá ficar rabugenta
Lá vai mais um p’rá barriga

Tenho horas para as novelas
Escolho uma de cada vez
Mesmo que seja Janeiro
De resto vou p’rá janela
Recordar a mocidade
Pois chegava ao fim do mês
E eu cá não tinha dinheiro
P’ra pagar a eletricidade

Um dia puxei um cabo
Um cabo de alta tensão
Rebentou com a televisão
E também com a torradeira
Quem tem cu aperta o rabo
E se eu estava toda nua
Dei um salto da banheira
E fui p’ró olho da rua

Levo tempo a me ir deitar
Não me dou atordoada
Adormeço esfomeada
Não sei o que hei-de fazer
Pois só faço é salivar
Ó meu Deus vem-me acudir
Acordo de madrugada
Com vontade de comer
Que nem consigo dormir

Pode parecer caricato
Mas se cada comprimido
Fosse pois bem mais barato
Meu rico e doce marido
Já me cá tenho lembrado
Dá-me vontade de rir
Como isto era sossegado
Passava o tempo a dormir



Assalto



Ai fiquei tão transtornada
‘Inda pensei que era fita
Mas se ficou entrevada
Quando teve o AVC
Tenho pena pobrezita
Quem a viu e quem a vê

Lá fui eu à capital
Que era a minha obrigação
Visitá-la ao hospital
Coitadinha da Alzira
Com tanta medicação
A pobre já mal respira

Nem sequer me conheceu
E eu que nem me queria crer
Se é bem mais velha que eu
E eu que não sou nada nova
O que é que eu fui lá fazer
Se ela está com os pés p’rá cova

Não me dava conformada
Nem me tinha conhecido
Senti-me até desprezada
Sem a poder abraçar
Mas já que tinha lá ido
Fui-me deixando ficar

Começou a anoitecer
Estava então de saltos altos
Mal me podia mexer
Pus-me ainda mais nervosa
Tenho medo dos assaltos
Que eu sou muito temerosa

Sem navalha nem pistola
Nem faca de ponta e mola
Pois se eu cá sou uma senhora
Ando sempre apetrechada
Com uma pequena tesoura
Se acaso for assaltada

Despedi-me entristecida
E lá fui eu de fugida
Perdida no desengano
A querer ganhar coragem
P’ra ir p’ró metropolitano
Onde pára a gatunagem

Apareceu-me um encardido
E fiquei desconfiada
Tinha cara de bandido
E uns pregos nos sobrolhos
Ai punha-me arrepiada
Quando ele me olhava nos olhos

Vai nisto desnorteada
Vi que me tinham palmado
O relógio do meu marido
Fiquei pois tão indignada
Agarrei-me aquele malvado
Disse-lhe então ao ouvido

_ Passa o relógio p’ra cá
Toma cuidado ó matreiro
Não te dê uma coisa má!
E ele nem sequer estrebuchou
Devolveu-me por inteiro
Aquilo que me roubou

Depois vim sempre a fugir
A dar mal à minha vida
A pensar-me perseguida
Sem ninguém p’ra me acudir

Sei que até sou rabiteza
Mas só fiquei descansada
Quando abri a minha porta
Pois senti-me aliviada
Ao ter então a certeza
Que afinal não estava morta

Lá fui eu à minha lida
Tinha o jantar preparado
Muito bem condimentado
Pois era só aquecer
E andava tão distraída
Nem nunca mais me lembrei
Que a outra está p’ra morrer
E do susto por que passei

Mas quando entrei no meu quarto
Ai credo cruzes lagarto
Pois se eu nem me queria crer
No relógio que estava a ver

Afinal do falecido
Nem sei como fui capaz
Certamente é parecido
E eu fui roubar o rapaz

Fiquei toda arrepiada
Com a cara muito vermelha
Mas que grande trapalhada
Faço ideia o seu pensar:
_Olha a magana da velha
Já me está a assaltar

Fui Buscar A Dentadura



Com os lábios sorridentes
Fui buscar a placa nova
Mas que belíssimos dentes
E que bem que ela me enfeita
Se vou composta p’rá cova
Só posso estar satisfeita

Ai tão perfeitos que são
E se a brancura me encanta!
Tem um pequeno senão
Quando a ponho quem diria
Ao bater-me na garganta
Dá-me uma certa agonia

Tiro só de quando em vez
P’ra ser muito bem escovada
Mas meto logo outra vez
E apesar de condoída
Pois fico muito encovada
E sinto-me envelhecida

Pouco tenho que apontar
Mas se me cresce a saliva
Pois só faço é salivar
E nem tudo dou trincado
Ai dói-me tanto a gengiva
Que como tudo passado

Talvez esteja descaída
Pois se está tudo dorido
Ou talvez esteja subida
Que estas dores põem-me louca
Pois se até já tenho ferido
O meu rico céu-da-boca

Estou farta de bochechar
Mas se não encontro cura
Mais não posso aguentar
Estou a ficar pessimista
Vou pegar na dentadura
E vou com ela ao dentista

Só me apetece é gemer
Estou cada vez mais doente
O que é que ele me irá dizer
Pois que a placa está perfeita
Que o único inconveniente
É ter a boca malfeita

E cá vou eu tão aflita
Como a vida é traiçoeira
Pois p’ra ficar mais bonita
E até rir à gargalhada
Arranjei uma cremalheira
E ando outra vez desdentada

Afinal e vai-se a ver
Tinha a placa que ser cheia
Fiquei então a dever
E a conselho do doutor
Com o meu pezinho de meia
Comprei gel fixador