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domingo, 22 de fevereiro de 2015

Já Deixei De Ser Cantora



Que lindas vozes de oiro
Cantam com todas as regras
Tenho orgulho neste coiro
Se este poema redijo
Lembranças meu peito guarda
Viva o maestro Balegas
Viva o coiro do Montijo
E a nossa querida Eduarda

Também quis contribuir
Ai ficava baralhada
Pensei então desistir
Mas por lá me aguentei
Com voz de cana rachada
Mais parecia uma anedota
Ai quantas vezes chorei
Ao dar sempre a mesma nota

Deixava-me entusiasmar
Se ia tudo em andantino
Eu punha-me em allegeto
Depois tinha que parar
Mais parecia um violino
Mas se afinal era baixo
Cantava pois em falseto
Ao mal subirem o pano
E andava num altibaixo
Desde o tenor ao soprano

Punha o coiro destrambulhado
Pensei em desaparecer
Fazer meu próprio sequestro
Dava-me pena o maestro
Com um ar apoquentado
Mas que destino atroz
Sem saber o que fazer
Mudava-me então de voz

Pois não estava colocada
Dizia-me ele afinal
Nem era desafinada
Isto p’ra me confortar
Mas tudo corria mal
Pois se eu cá não tinha jeito
Nem que fosse a recitar
Saía tudo imperfeito

E fiz uma descoberta
Só onde tinha a certeza
Cantava de voz aberta
Sem querer pôr ninguém em cheque
E vejam-me esta tristeza
P’rá barca não ir ao fundo
Cantava pois em Play back
P’rás almas do outro mundo

Tínhamos muitos eventos
E eu ficava em apertos
Se para além dos casamentos
O que me punha doente
Primeiro eram os concertos
E com todas as maneiras
P’rá Senhora Presidente
Próprio de um grupo coral
Cantávamos pois as janeiras
Logo a seguir ao Natal

Mal sei falar Português
Até me dava chacota
Do Filipino ao Chinês
Tudo p’ra mim era Grego
Pois nunca fui poliglota
Certamente que enfim
Neste tal desassossego
Nem toda a gente suporta
E se cantava em latim
Sentia-me eu quase morta

E ai como foi importante
Tão imponente tão bravo
E eu cá estava vacilante
Como quem teme um ciclone
Primeiro : “Da coroa ao cravo”
De ovação em ovação
Depois veio: “ Cantar Simone “
Mas que tamanho sucesso
Pois se eu cá não sou intruja
De resto jamais me esqueço
Tive a maior comoção
Ao beijar a dita cuja

Finalmente vim-me embora
Meu coração ainda chora
(Que haja sempre um amanhã)
Tal como o vestido preto
Que nem foi coisa barata
E se fazia panda
A encharpe com a gravata
Quase como um amuleto
Dava-me cá um aperto
Pois quando o pano subia
E começava o concerto
E o coiro logo se ouvia

Agora vou aos espetáculos
Pois tenho as portas abertas
Não me põem obstáculos
Dou por mim tão comovida
Mas saio a horas incertas
Pois tenho que me ausentar
Com a bexiga descaída
Ando sempre a urinar

Se acaso sou nervosenta
Pois tomava um Valium
E ficava sonolenta
E também um pouco zomba
Mas p’rá maldita colite
Lá ia um imodium
E tinha que dar à bomba
P’ra me passar a bronquite

E em tudo isto pensei
Que um couro não é à balda
Só eu sei o que passei
É difícil meu regresso
Pois se tinha que usar fralda
E só agora o confesso

Ai se me recordo e lembro
As saudades dão-me dores
Pois se deixei de ser membro
Sinto-me triste e piegas
Mas vivam esses cantores
Rouxinóis dum roseiral
Viva o maestro Balegas
Mas que grande regozijo
(Só eu cá era bastarda)
E viva o grupo coral
Grupo Coral do Montijo
E a nossa querida Eduarda



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