Número total de visualizações de páginas

segunda-feira, 23 de fevereiro de 2015

Quero Ver Se Enriqueço



Ai se dias não são dias
Tem dias pois que entretanto
Vestem-me de fantasias
E eu fico bem adornada
Se nuns choro noutros canto
Noutros rio à gargalhada

E até faço uma festança
Posso-me dar por contente
Quando ponho na lembrança
Minhas demais ambições
Vou-me rir de muita gente
Se acaso um dia jogar
Nesse tal euro milhões
E seja eu a ganhar

Que ando tão arreliada
Quero ver se enriqueço
P’ra dormir mais descansada
Que ser pobre é uma canseira
Pois sei bem o que mereço
Só não sei de que maneira

Nada tenho p’ra herdar
O que me dá embaraço
Ponho-me então a pensar
Se tenho algum incremento
É de encontrar um ricaço
Que me peça em casamento

Os que eram p’la minha idade
Quase todos já lá estão
E em abono da verdade
Sendo a poetiza do povo
Resta-me a mera ilusão
Que alguém se venha a encantar
Um rapazito mais novo
E assim me leve ao altar

Perdia o norte e o sul
E seguia alguns conselhos
Que era oiro sobre azul
Ai ao ficar abastada
Pois matava dois coelhos
E duma só cajadada

Ter de seu é uma virtude
É uma coisa fantástica
Retornava à juventude
A mais não ser no parecer
Fazia uma plástica
Mas das bem elaboradas
Para rejuvenescer
E ficar com as peles esticadas

E também um enchimento
No rabo dava-me jeito
Com um bom acabamento
P’ra uma vida sedentária
E endireitava o peito
Com uma prótese mamária

Que fosse tudo a preceito
Com a mesma anestesia
Punham-me o nariz direito
Faziam-me uns brilharetes
Com uma tal septoplastia
Sem cometerem deslizes
Tiravam-me os joanetes
E secavam-me as varizes

Despunha uma tatuagem
Quem sabe se uma roseta
Ou então uma homenagem
Com a cara do falecido
Antes uma borboleta
Espampanante colorida
Pois fazia mais sentido
Numa rica extrovertida

Comprava até um postiço
Que fosse loiro afinal
Singelo sem ter toutiço
Nem tão pouco uma banana
Pintava em mim um sinal
Sete dias por semana

Estou-me a ver recauchutada
Que o meu peito até delira
Com a cremalheira arranjada
Pouco mais há que fazer
Até parece mentira
De resto nada me dói
Nem me sei reconhecer
E estou com outro trambelho
Pareço a Mariline Monroi
Pois sempre que me olho ao espelho

Que eles querem mulheres maduras
Se as novas não fazem nada
Deixemos lá as frescuras
Já que sou velha e raposa
Não tarda comprometida
Se por sinal estou guardada
Em ser mãe enquanto esposa
P’ró resto da minha vida

Vai que neste imaginário
Assim eu me casaria
Com um frango do aviário
Pois se tem acontecido
Cada vez mais hoje em dia
Não queiras tu esmorecer
Pode ser que o teu marido
‘Inda esteja p’ra nascer

Que não seja um mero engate
O que o meu sonho idealiza
Pois estou-me a ver num iate
Todo ele muito faustoso
Mantenho a pele resguardada
E a caminho de Ibiza
Com o meu digníssimo esposo
Lá vou toda ornamentada

Podes-me até chamar filha
Só que eu começo a estranhar
E ao ancorarmos na ilha
Pois se acaso desconfio
Que há qualquer coisa no ar
Ai ponho-me enciumada
Dá-me até um calafrio
Que me deixa arrepiada

Só entendo o português
Que o espanhol fala a correr
Do alemão ao inglês
Lá fazes a tradução
E vou lá eu perceber
Se é só uma mera invenção

Nisto sinto-me sozinha
Sedenta de naufragar
Calo-me bem caladinha
Suspeito de toda a gente
E começo a delirar
Com o tamanho do enredo
Não encontro um inocente
E mantenho-me em segredo

Pois aquilo que mais me custa
Ao entrar numa ilusão
É o que tanto me assusta
Se temo um fim infeliz
Não há bela sem senão
Ponho-me a endrominar
Num pensamento medonho
E corto o mal p’la raiz
Modificando o meu sonho

Cansa-me tanta noitada
Neste e naquele cabaré
Pois não estou acostumada
Já não é p’rá minha idade
Ponho-me a dormir em pé
Pois não sei o que me dá
Com a maior facilidade
Nem que seja no Pachá

Vai-se a ver que ele é meiguinho
Ai dou voltas à cabeça
Podia ser meu filhinho
Tenho pois que o proteger
Aconteça o que aconteça
Doa lá a quem doer

Vou descalçar o sapato
Só me dou com camafeus
Vai-se a ver p’lo aparato
Não entendo se é costume
Tudo ao molho e fé em Deus
De quem hei-de ter ciúme

Que as mulheres gostam de ti
E os homens gostam também
E eu que tanto me afligi
Fiquei pois sobressaltada
Não fosses ter mais alguém
E eu estar a ser enganada

Ficaste tão melindrado
Com a minha desconfiança
Por sinal arreliado
Pois levaste muito a mal
Tiraste a aliança
E eu que sou tão tua amiga
Fizeste um cagaçal
Por conta desses boatos
Armaste tamanha briga
Coisas próprias dos gaiatos

P’ra esquecer o sucedido
Concedo-te o meu perdão
Deixas de ser meu marido
Compras-me um apartamento
E dás-me uma indeminização
Por conta do casamento

E tudo isto imaginei
Com deslumbrada emoção
Tão meramente sonhei
Melhor é ficar assim
Sofro por antevisão
O que não me faz feliz
E não esqueço o meu Joaquim
Pois se tinha um amor nobre
Já que Deus assim o quis
Ficarei sozinha e pobre



Sem comentários:

Enviar um comentário