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quarta-feira, 24 de julho de 2013

Por Sinal És Boa Gente | Maria Albertina Natividade da Purificação

 





Querida prima Umbelina
Estás vistosa e bem-parecida
Tens um rosto de menina
Com a pele toda esticada
Pois eu cá estou convencida
Nunca a tiveste enrugada

 

E mesmo com tanto enredo
Ai pelo que tens passado
Com o desgosto do Alfredo
Pois se era com cada dose
Que andava sempre entornado
E foi-se duma cirrose

 

E nunca mais te casaste
E tal como eu também não
Se acaso te conservaste
É da tua natureza
É do teu bom coração
Que te enobrece a beleza

 

Por sinal és boa gente
Mas um bocado vaidosa
Às vezes pões-me doente
Não há bela sem senão
Ai tão casmurra e teimosa
Que até me dás aflição

 

Quero-te arranjar marido
E tu não me dás valor
Lembras-te do falecido
E tens mais que um pretendente
Extremosa no teu amor
Sempre cheia de saudade
O teu peito não consente
Que encares a realidade

 

E ficavas bem na vida
Pois se há um que é abastado
E se andas desprevenida
Tal como eu que não tens guita
Se afinal pedes fiado
Que a reforma é pobre e fraca
Mas fazes por rebendita
Só que sais prejudicada
Ó minha grande velhaca
Que és tão mal-intencionada

 

Mas se o és, és só p’ra ti
De resto não te confessas
Pois sempre te conheci
Muito pouco opiniosa
E nem és de conflitos
Pagas as tuas promessas
Por seres tão religiosa
Ao Senhor dos Aflitos

 

E vai-se a ver que és calada
Não sei se é por timidez
Não te acho envergonhada
Pois se tens descaramento
Ali rente ao fim do mês
E pedes-me adiantado
P’lo meu endividamento
P’lo que me tens emprestado

 

E andas sempre vaporosa
Com as tuas chinesices
Nem sequer és rancorosa
Com tanto que têm feito
Pois se não queres é chatices
Tens esse grande defeito

 

E dás sempre a outra face
E eu que já não sou assim
Pois até podes ter classe
E se estamos conversadas
Quando me batem a mim
Ai desato às bofetadas

 

Pois não me fico p’ra trás
Mais não tinha que fazer
Que de tudo sou capaz
Basta guardar na lembrança
E ando sempre a antever
A hora da tal vingança

 

De resto tenho bom fundo
Sempre pronta a acudir
Aos males que andam p’lo mundo
E dá-me dó da pobreza
Ponho toda a gente a rir
P’ra afugentar a tristeza

 

Não falto a um funeral
Às vezes nem os conheço
P’ra que não pareça mal
Justo aos familiares
Finjo que me compadeço
Farto-me até de chorar
E percebo p’los olhares
Quando estou a exagerar

 

Normalmente és tu ó prima
Que vens com tais falatórios
Vai-se a ver que ainda por cima
Teimas que é p’la nossa idade
Lá vamos nós aos velórios
Recordar a mocidade

 

Ai por sinal como eu queria
Que fosses mais rabitesa
Dá-me cá uma agonia
Pois se acaso sou humana
E corro em tua defesa
Por seres assim tão banana

 

 

 

ILUSTRAÇÃO/ARTE DE MIGUEL MATOS

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