Querida prima
Umbelina
Estás vistosa e
bem-parecidaTens um rosto de menina
Com a pele toda esticada
Pois eu cá estou convencida
Nunca a tiveste enrugada
E mesmo com
tanto enredo
Ai pelo que
tens passadoCom o desgosto do Alfredo
Pois se era com cada dose
Que andava sempre entornado
E foi-se duma cirrose
E nunca mais te
casaste
E tal como eu
também nãoSe acaso te conservaste
É da tua natureza
É do teu bom coração
Que te enobrece a beleza
Por sinal és
boa gente
Mas um bocado
vaidosaÀs vezes pões-me doente
Não há bela sem senão
Ai tão casmurra e teimosa
Que até me dás aflição
Quero-te
arranjar marido
E tu não me dás
valorLembras-te do falecido
E tens mais que um pretendente
Extremosa no teu amor
Sempre cheia de saudade
O teu peito não consente
Que encares a realidade
E ficavas bem
na vida
Pois se há um
que é abastadoE se andas desprevenida
Tal como eu que não tens guita
Se afinal pedes fiado
Que a reforma é pobre e fraca
Mas fazes por rebendita
Só que sais prejudicada
Ó minha grande velhaca
Que és tão mal-intencionada
Mas se o és, és
só p’ra ti
De resto não te
confessasPois sempre te conheci
Muito pouco opiniosa
E nem és de conflitos
Pagas as tuas promessas
Por seres tão religiosa
Ao Senhor dos Aflitos
E vai-se a ver
que és calada
Não sei se é
por timidezNão te acho envergonhada
Pois se tens descaramento
Ali rente ao fim do mês
E pedes-me adiantado
P’lo meu endividamento
P’lo que me tens emprestado
E andas sempre
vaporosa
Com as tuas
chinesicesNem sequer és rancorosa
Com tanto que têm feito
Pois se não queres é chatices
Tens esse grande defeito
E dás sempre a
outra face
E eu que já não
sou assimPois até podes ter classe
E se estamos conversadas
Quando me batem a mim
Ai desato às bofetadas
Pois não me
fico p’ra trás
Mais não tinha
que fazerQue de tudo sou capaz
Basta guardar na lembrança
E ando sempre a antever
A hora da tal vingança
De resto tenho
bom fundo
Sempre pronta a
acudirAos males que andam p’lo mundo
E dá-me dó da pobreza
Ponho toda a gente a rir
P’ra afugentar a tristeza
Não falto a um
funeral
Às vezes nem os
conheçoP’ra que não pareça mal
Justo aos familiares
Finjo que me compadeço
Farto-me até de chorar
E percebo p’los olhares
Quando estou a exagerar
Normalmente és
tu ó prima
Que vens com
tais falatóriosVai-se a ver que ainda por cima
Teimas que é p’la nossa idade
Lá vamos nós aos velórios
Recordar a mocidade
Ai por sinal
como eu queria
Que fosses mais
rabitesaDá-me cá uma agonia
Pois se acaso sou humana
E corro em tua defesa
Por seres assim tão banana
ILUSTRAÇÃO/ARTE
DE MIGUEL MATOS
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