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terça-feira, 23 de julho de 2013

Alma De Artista | Maria Albertina Natividade da Purificação






Sempre tive habilidade
E se acaso era prendada
Já na minha mocidade
Ficava pois tão catita
Airosa toda enfeitada
Com os meus vestidos de chita

 

Fiz uma colcha aos quadrados
Pois tinha jeito p’rá renda
Paciente nos bordados
Tudo como deve ser
Nada há que eu não aprenda
Dei conta dos meus miolos
Mas se aprendi a fazer
Tapetes de Arraiolos

 

Pois se sou habilidosa
Até fiz um candeeiro
E senti-me tão vaidosa
Ai que até me inchou o peito
Mas p’ra inventar dinheiro
Isso é que eu não tenho jeito

 

Com o fósforo já queimado
Montei uma caravela
E gostei do resultado
Comprei depois cavaletes
Dediquei-me às aguarelas
E fiz então brilharetes

 

E entreguei-me à concertina
Mas se a achava esganiçada
Nem com tudo a gente atina
E ao depois só por ouvido
E se me dava prazer
Tocava uma guitarrada
P’ra entreter o meu marido
Punha a guitarra a gemer

 

E entretanto o falecido
Foi aprender a tocar
Mas só fazia alarido
Ai como ele desafinava
Julgá-lo não me compete
Mas se até arrepiava
Quando se punha a soprar
No bocal do seu trompete

 

E jamais se entendeu
Pena quando a estima baixa
Era mais parvo que eu
Mas que cargas de trabalhos
Pôs-se então a tocar caixa
Deixou-me feita em frangalhos

 

Foi então que às escondidas
Mas só das portas p’ra dentro
Comecei a aprender
E dava as minhas fugidas
Pois se acaso me concentro
Fico logo a perceber

 

E aprendi a solfejar
No esplendor do meu talento
Com o valor das figuras
Nem conseguia parar
Em tão ágil andamento
Numa nobre exibição
E até me davam tonturas
Sem perder a pulsação

 

Depois fui p’ró clarinete
Ai como era virtuosa
Fazia cá um sainete
Não era só aparato
Punha-me até lacrimosa
E ao dar à música vida
Num piedoso vibrato
Ficava tão comovida

 

Aprendi mais instrumentos
Pois se acaso era dotada
Passei por grandes momentos
Que eu cá sempre fui briosa
E andava bem ensaiada
Lia a música na pauta
Mas se eu era maviosa
Sempre que tocava flauta

 

E o que mais me concretiza
Traz-me sempre algo de novo
É ser também poetiza
No cantar do sentimento
Uma poetiza do povo
Que diz palavras ao vento

 

Tenho poemas diversos
E alguns estão inacabados
Faço quadras faço versos
Se tenho as rimas por filhas
Com os meus dotes inspirados
Faço pois também sextilhas

 

Cavo então como quem lavra
Basta-me encontrar um tema
E escolho cada palavra
Se acaso lhe acho piada
Escrevo então o meu poema
E que seja pitoresco
Pois desato à gargalhada
Quando o poema é burlesco

 

Pode até não agradar
Mas se não somos perfeitos
Não me custa confessar
Eu sempre fui o que pude
Posso ter muitos defeitos
Contudo sou realista
E a minha maior virtude
É ter pois alma de artista

 

 

ILUSTRAÇÃO/ARTE DE MIGUEL MATOS


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