Sou tocadora de
flauta
P’lo que eu
passo e já passeiQueria ser uma astronauta
Mudar de esquina e de rua
Dava tudo o que ganhei
P’ra emigrar para a Lua
Lá vou eu num
foguetão
Com uns fatos
espaciaisSaio desta confusão
Livro-me da minha nora
Doutras guerras infernais
Se me for daqui p’ra fora
Deve até ser
divertido
Uma cápsula
p’la manhãAo almoço um comprimido
A mesma coisa ao jantar
E em pezinhos de lã
Andamos a vaguear
Faço parte da
limpeza
Serei a
encarregadaE de resto com certeza
P’ra ter uma ocupação
Farei também de criada
Que é pouca a tripulação
P’ra piloto não
me ajeito
Não sei as
coordenadasCada qual com seu preceito
Mas podiam-me ensinar
Com as matérias bem estudadas
Aprendia a pilotar
Lá ia eu pelo
espaço
Como figura
heroicaE era um desembaraço
Lavava-me esta tristeza
E livrava-me da Troika
De estarmos tão vacilantes
Da recessão portuguesa
E dos nossos governantes
E se no espaço
houver vida
Eu disso tenho
esperançaSe afinal sou divertida
Darei umas cambalhotas
Farei boa vizinhança
E contarei anedotas
Levo o pífaro
levo a pauta
Declamarei meus
poemasE enquanto for astronauta
Poetizo o universo
E vai ser um problema
Ai se acaso houver regresso
Deve ser um
paraíso
Quem me dera lá
chegarMas que dias de juízo
Não vale a pena ir à esmola
Não há quem tenha p’ra dar
Pois está tudo desfalcado
E ninguém acha garçola
Quando se pede fiado
Por sinal por
minha parte
Era-me mais
acessívelSe acaso fosse p’ra Marte
Ficava longe da Terra
E tornava-me invencível
Aliada ao deus da guerra
E o que
interessa é fugir
Isto só p’ra
começarP’rá gente se prevenir
Pois que eu cá não seja incauta
Já que eles mandam emigrar
Não irei de qualquer forma
Vou de vez como astronauta
Mas quero a minha reforma
(ILUSTRAÇÃO/ARTE
DE MIGUEL MATOS)
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