Que sonho maravilhoso
Num palácio harmonioso
E até tinha dentadura
Nada faltava na mesa
Ai que tamanha fartura
Toda
a gente era bonita
Com
uma cara abastadaQue a fortuna é bendita
Não tem olhos de magreza
Nem a boca desgrenhada
Que isso é próprio da pobreza
E
até mesmo a criadagem
Tão
bem vestida que estavaQue parecia uma miragem
De um lindo conto de fadas
E toda a gente arrotava
Com as barrigas enfardadas
Tinha
um príncipe afinal
Que
não era o meu maridoE parecia um general
Todo muito vaporoso
Pois não era o falecido
Era muito mais jeitoso
Até
parecia um boneco
A
esgaçar sempre um sorrisoCom olhos de malandreco
E se eu estava enfeitiçada
Tinha perdido o juízo
Não me ralava com nada
Ricas
pedras valiosas
No
arroubo do esplendorIrradiavam lustrosas
E era escaldante e não morno
O corpo do meu amor
E elas tinham dor de corno
Era
nova como invejo
Os
tempos que já lá vãoAgarro-me a esse ensejo
E dá-me tanta saudade
Que sendo rica então
Maior era a felicidade
Toda
a gente foi bailar
E
eu cá tinha emagrecidoE sabia-me ajeitar
Como eu estava enternecida
Com o meu suposto marido
Marido p’ra toda a vida
Senti
por ele um desejo
Nos
afagos consentidosE ele arrebatou-me um beijo
Que me deixou transtornada
Perdi então os sentidos
Que dei por mim desmaiada
Vai-se
a ver quando acordei
Tinha
mesmo desmaiadoAi tão triste que fiquei
Queria ir dali p’ra fora
Estava o meu filho adorado
E a cabra da minha nora
Vim
a mim no hospital
Quem
sabe se estive em MarteDiziam que eu estava mal
Já me queriam sepultar
Que eu tinha tido um enfarte
Pois se eu não queria acordar
Ninguém
me vem socorrer
Quando
eu estava bem na vidaAcharam que ia morrer
E eu que não me conformava
Estava tão arrependida
Que por mim não acordava
E
já sentia saudades
Do
meu príncipe encantadoE dos montes das herdades
Do palácio do jardim
Já me tinha questionado
Se ele se lembrava de mim
‘inda
me atirei p’ró chão
Para
ver se desmaiavaMas não tive solução
Nem outra oportunidade
Toda a gente me agarrava
Com muita brutalidade
Lá
voltei a pobrezinha
Tive
ganas de afliçãoSe eu podia ser rainha
Pois cada pão a seu dono
Tinha a minha coroação
E a seguir subia ao trono
(Ilustração/Arte
de Miguel Matos)
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